terça-feira, 19 de junho de 2012

De como latinizar um grupo de doidos. Parte I

             De vez em quando uma onda se ergue no mundo da internet. Não abala o tráfego de informações, não tranca os computadores, mas deixa ocupados e felizes uma dúzia de pessoas.
             Esta onda, que atende pelo endereço “Clube de Leitura Ex- Libris”, é conhecida por muito poucos, mas é um dos programas mais legais da cidade. Alguns mais falantes, outros mais calados.

             A marola pode começar com um e-mail simples assim:

             “Feliz Aniversário, SHUKRAM

              A resposta com os agradecimentos de praxe encerrava com uma observação: “acredito que esta palavra seja uma daquelas que dizem tudo com poucas letras”.

              Pronto, a onda toma corpo!

              A ela seguiram-se outras: SALAMALECO, SAHTEIN, SHUKRAM.
              
              Ao que outros responderam: Hare Krisnha, Hare, Hare! e um brasileiríssimo SARAVÁ!

               O vento aumenta sobre as águas e certa professora manda: AD VITAM AETERNAM!!!!!
               
               Prontamente rebatida com ROMA LOCUTA CAUSA FINITA.

               E a professora responde: MAGISTER DIXIT.
               
               Uma terceira voz entra na conversa, a da escritora: A BONIS BONA DISCE.

               A professora estava inspirada e lavrou: MAGISTER DIXIT

               E a escritora: CEPISTI VOLUCRS, ALIUS SED TETENDIT.

               Aparece a voz masculina: SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS e a conversa imediatamente toma o rumo dos Palíndromos com CEPISTI VOLUCRES, ALIUS SED RETE TETENDIT.
               
               O Palíndromo, quase um tsunami, provoca logo o e-mail, da psicóloga/escritora/professora:

               “Um palíndromo é uma frase que pode ser lida tanto da esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda. O interessante deste palíndromo é que, além disso, as primeiras letras de cada palavra formam a primeira palavra, as segundas letras de cada palavra formam a segunda palavra, e assim vai.
Desta forma, organizado em um quadrado, é também possível ler a mesma frase verticalmente. Este palíndromo é mundialmente conhecido como o Quadrado de Sator:



O registro mais antigo deste palíndromo foi encontrado nas ruínas de Herculano, cidade soterrada sobre as cinzas do Monte Vesúvio no ano 79.
Como bem notado pelo Caio, o Quadrado de Sator também é associado ao cristianismo, à numerologia e à magia, mas pelo bem da sanidade pública, prefiro ressaltar o palíndromo apenas pela sua curiosidade linguística.

Isso me lembra também uma lição que envolve o soneto 129 de Shakespeare, que foi apresentado e explicado esses dias em uma das aulas da Oficina de Textos Literários que estou cursando:

The expense of spirit in a waste of shame
Is lust in action: and till action, lust
Is perjured, murderous, bloody, full of blame,
Savage, extreme, rude, cruel, not to trust;
Enjoyed no sooner but despised straight;
Past reason hunted; and no sooner had,
Past reason hated, as a swallowed bait,
On purpose laid to make the taker mad.
Mad in pursuit and in possession so;
Had, having, and in quest to have extreme;
A bliss in proof, and proved, a very woe;
Before, a joy proposed; behind a dream.
All this the world well knows; yet none knows well
To shun the heaven that leads men to this hell.

Roman Jakobson notou que no primeiro verso do soneto, as palavras shame, expense e spirit formam a pronúncia do nome Shakespeare. O pensador russo também percebeu que se trocarmos well por Will (diminutivo de Willian) nos últimos dois versos conseguimos uma nova leitura do soneto.
Moral da história: palíndromos e anagramas são coisas para doidões! (sic)
               E eis que surge, em grande estilo, claro, Camões a queixar-se do mundo

LABIRINTO
Corre sem vela e sem leme
o tempo desordenado,
dum grande vento levado;
o que perigo não teme
é de pouco exprimentado.

As rédeas trazem na mão
os que rédeas não tiveram:
vendo quando mal fizeram
a cobiça e ambição
disfarçados se acolheram.

A nau que se vai perder
destrue mil esperanças;
vejo o mau que vem a ter;
vejo perigos correr
quem não cuida que há mudanças.

Os que nunca sem sela andaram
na sela postos se vêm:
de fazer mal não deixaram;
de demónio hábito têm
os que o justo profanaram.

Que poderá vir a ser
o mal nunca refreado?
Anda, por certo, enganado
aquele que quer valer,
levando o caminho errado.

É para os bons confusão
ver que os maus prevaleceram;
posto que se detiveram
com esta simulação,
sempre castigos tiveram.

Não porque governe o leme
em mar envolto e turbado,
quem tem seu rumo mudado,
se perece, grita e geme
em tempo desordenado.

Terem justo galardão
e dor dos que mereceram,
sempre castigos tiveram
sem nenhüa redenção,
posto que se detiveram.

Na tormenta, se vier,
desespere na bonança
quem manhas não sabe ter.
Sem que lhe valha gemer
verá falsar a balança.

Os que nunca trabalharam,
tendo o que lhes não convém,
se ao inocente enganaram
perderão o eterno bem
se do mal não se apartaram.

                 A este ponto da conversa, a que se diz chefe (?) do bando e está num “dolce far niente” pelo velho mundo, que de tão velho ainda capengueia na internet, pede encarecidamente que se faça um breve apanhado das conversas com as devidas traduções. Imediatamente a Monitora designada como correspondente paulista, toma do teclado e manda:

AD VITAM AETERNAM-Para sempre
ROMA LOCUTA CAUSA FINITA- Roma falou, a causa está terminada.
A BONIS BONA DISCE – Junta-te aos bons e serás um deles.
MAGISTER DIXIT - O mestre o disse.
CEPISTI VOLUCRES, ALIUS SED RETE TETENDIT – Um levanta a caça e outro a mata.
ALEA JACTA EST - A sorte (os dados) está lançada.
DOCTUS CUM LIBRO – Sábios com livro.
CARPE DIEM – Aproveite o momento, colha o dia.
FIAT LUX – Faça-se a luz
DURA LEX SED LEX – A lei é dura, mas é a lei.

               Frente a tudo isto até os mais silenciosos ganham voz, elogiam a rota da conversa, a erudição dos que até agora se apresentaram com o latim polidíssimo e lembrando a forma descompromissada como tudo começou lá pelos idos de 2009, tecem loas ao clubinho.

               A amizade e a sinceridade são imensas neste grupo e a professora declara, não envergonhada, que as citações foram copiadas (sic) de um dicionário de latim,artimanha desenvolvida e aperfeiçoada os adolescentes seus alunos, vejam só! E manda mais uma: DOCTUS CUM LIBRO.

               A monitora, tocada pela confissão da professora, admite que puxava o saco do professor de latim, mas que conversava demais nas aulas. Arrependeu-se tarde! Mas guardou o dicionário e procura lá: DOCTUS CUM GOOGLE.

               Outra diplomada em letras desabafa:

“Não conversei durantes as aulas de Latim 1 e 2 na PUC-RJ com o inesquecível Junito Brandão e, até onde me recordo, tirava notas altas nas traduções dos textos que ele trazia para as provas... O revoltante é que parece que isso foi em minha outra vida... Tudo é uma névoa difusa... e não me lembro de mais de nada! 
Para a nossa sorte (e alguma desventura, já que o estímulo ao esquecimento se tornou ainda maior), a Wikipédia e o Google vieram preencher esses enormes espaços..." 

               A amiga que mandou a primeira expressão diz que precisa urgente do dicionário de cabeça só lhe vem: ALEA JACT EST! e FIAT LUX!

               E o desnorteio continua, com parabéns atrasados pelos aniversários passados e não lembrados e como um Quadrado de Sator, se materializa uma tabela de aniversários. A tabela, carinhosamente preparada não agradou a todos, eta povo exigente, e se pede reformulação. Prontamente atendida com um pequeno adendo no final:

              “Como se diz em latim: "a pessoa não pode oferecer a mão que neguinho logo quer o pé"??! e é prontamente traduzida: Digitum stulto ne permittas!” 
               
              Mas há as agradecidas que assim respondem: Lita, obrigatorium.  Trabalhus made well! 

              E as contribuições não param de chegar:

- “lembro o livro escrito pelo Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, que tem centenas de citações, provérbios e uma pequena gramática no fim para quem se atrever a recordar o que aprendeu no ginásio”... correndo o risco de um fim incerto, segundo o Beto. E também do Pedro Nava que, no seu Chão de Ferro, ao contar das aulas de latim no internato do Pedro II, conta de uma frase maliciosa que os meninos aprendiam: EAMOS AD MONTEM CUM PORIBUS NOSTRI FODERE PUTAE,que não quer dizer o que vocês estão pensando não, mas, inocentemente, vamos ao monte com nossos escravos cavar poços. Pois é...

- COGITO ERGO SUM, NIHIL OBSTAT, AMOR OMNIA VINCIT, POST TENEBRAS LUX,

- a / a / an / ae / ae / as
ae / ae / as / arun / is / is
us / ae / un / i / o / os
““... declinações, nem sei mais como se escreve. Eu sou antiga, dá época que ensinavam latim na escola (Pedro II - Humaitá). Só tirava 10, adorava, pois decorava até os textos. É claro, que já não me lembro de mais nenhum - adoraria 'declamar' para vocês..!!!

- Aniversarium Sérgius – 21/12.

- NULLA DIES SINE LINEA.

               E a pá de cal: “parodiando o Descartes: COGITO ERGO ABDICO: penso e logo desisto”!

               E, nova solicitação de resumo do que foi dito,prontamente atendida:

POST TENEBRAS LUX- luz depois das trevas
NULLA DIES SINE LINEA - nenhum dia sem uma linha, nenhum dia sem estudar.
SURSUM CORDA! - corações ao alto!
AGERE, NON LOQUI – Atos, não palavras.
DIGITUM STULTO NE PERMITTAS – Dá-se o pé e ele quer a mão
COGITO ERGO SUM – Penso, logo existo (Descartes).
AMOR OMNIA VINCIT – O amor vence tudo, tudo suporta (Virgílio).
NIHIL OBSTAT – Nada impede

              Coincidências existem, é claro, sem elas o clubinho não teria juntado gente tão bacana e para a encerrar em grande estilo todas as citações, a chefe (?) que continua passeando se depara com uma máxima e manda:


ORQUID SOLUTES EST BEATIUS CURIS MENS ONUS REPOINT AC PEREGRINE LABORE FESSI VENIMUS LAREM AD NOSTRUM DESITERATOSQUE ACQUIESCIMIUS LECTO,


que numa tradução à la Bangu: 


o que é melhor, depois do trabalho feito, com a mente livre de todas as preocupações e cansada do esforço que se fez em nome dos outros, do que retornar à casa e deitar-se na cama que tanto se deseja. sugestão de acréscimo: e no dia seguinte ir ao clubinho.


A chefia cita a fonte: Catulo,poeta romano,e pede que por favor não confundam com Catulo da Paixão Cearense.


Ufa!





A parte II será dedicada a Santo Antônio, aos amores e a velhice. Não dá para acompanhar tudo de uma vez só. 

sábado, 3 de março de 2012

Curta metragem para o fim de semana

Terezinha manda o link do "Os fantásticos livros voadores do Senhor Lessmore" - a animação vencedora do Oscar 2012.

É fantástica!.
Oscar merecidíssimo.


Thank you Terezinha, sempre procurando coisas novas para nos alegrar.

sexta-feira, 2 de março de 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Macau e Camões Parte 2



                Ao redor da gruta, no lugar mais alto do Jardim à volta de uma praça estão todas estas homenagens à Camões.
Se não conseguirem ler eu mando em foto por e-mail.











Esta é a vista de Macau pelos olhos de Camões. E pelos meus também.



 










  












































Acho que o vulgo ignaro sou eu.
 




  


























Em meio, talvez alheias, a toda esta poesia as velhinhas dançavam. Acho que depois iam ver uma peça de um tal de Oscar Wilde.




























































































































































































































quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Macau e Camões

Para o clubinho querido,

Seguindo os passos de Camões em Macau, começando pela praça

que dá acesso ao Jardim Público onde nesta gruta dizem que nosso querido gênio escreveu Os Lusíadas 






Para nós parece muito, e é, mas os daqui, ou melhor, de lá, me parecem que não estão nem aí.
De português, só as placas traduzidas, pois é língua oficial como o chinês, e os pastéis de Belém.
Algumas misturas estranhas de português com chinês na fisionomia, que particularmente achei a nossa de negro e índio muito mais interessante.

Em outra postagem mando mais do jardim.
Saudades...




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Charles Dickens

O aniversariante de hoje é Charles Dickens!
Olhem que lindo o “doodle” do google.
Happy birthday, dear friend!

Cultura inútil da Wikipedia: Um Doodle é um tipo de esboço de algum desenho realizado quando uma pessoa está distraída ou ocupada. Doodles são desenhos simples que podem ter significado concreto de representação ou simplesmente representar formas abstratas.

Muitos exemplos podem ser encontrados em cadernos escolares, muitas vezes à margem, desenhados por alunos distraídos ou desinteressados durante uma aula.

Geralmente doodles incluem caricuturas de professores ou colegas de escola, pessoas famosas ou personagens de desenhos animados, seres fictícios, paisagens, formas geométricas, banners com legendas e animações feitas desenhando-se uma seqüência de cenas em várias páginas de um livro ou caderno.

Etimologia: A palavra americana doodle surgiu por volta do século XVII para significar um tolo ou simplório.  Variantes da etimologia alemã incluem Dudeltopf, Dudentopf, Dudenkopf, Dude, Dudeldopp e Dödel.

O que significa "tolo, simplório" destina-se no título da canção "Yankee Doodle", originalmente cantada por tropas coloniais britânicas antes da Guerra Revolucionária Americana. Esta é também a origem do verbo em inglês com o mesmo nome, no início do século XVIII: doodle, que significa "fazer de bobo". O significado moderno surgiu na década de 1930 a partir deste significado ou a partir do verbo "ociosidade", que desde o século XVII teve o significado de perder tempo ou de ser preguiçoso.

Efeitos na memória: De acordo com um estudo publicado pelo Applied Cognitive Psychology, criar doodles ajuda a memória de uma pessoa de forma significativa. O estudo foi feito pelo professor Jackie Andrade, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Plymouth. [

Monólogo de Orfeu

Contribuição do Beto que lembrou deste texto ao ler o texto do Aníbal MAchado: A Morte da Porta-Bandeira.

Monólogo de Orfeu - Vinícius de Moraes

Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.
E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.
Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Contribuição de um fã

Contribuição do Luis Henrique, filho da Lilian e incentivador do Clubinho para o encontro do carnaval.
Luis Henrique acertou na mosca! Músicas lindas, vamos procurar no Youtube e fazer um fundo musical.
apareça quando quiser e continue contribuindo.

NOITES DOS MASCARADOS (1966)

Quem é você?
Adivinhe, se gosta de mim
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
Quem é você, diga logo
Que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero arder no seu fogo

Eu sou seresteiro
Poeta e cantor
O meu tempo inteiro
Só zombo do amor
Eu tenho um pandeiro
Só quero violão
Eu nado em dinheiro
Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar
Eu, modéstia parte
Nasci pra sambar
Eu sou tão menina
Meu tempo passou
Eu sou Colombina
Eu sou Pierrot

Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser



QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ (1966)

Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala, mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Quando o samba começava, você era a mais brilhante
E se a gente se cansava, você só seguia adiante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

O meu samba se marcava na cadência dos seus passos
O meu sono se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Todo o ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia para que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza por que foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer

Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade, por favor não dê na vista
Bate palmas com vontade, faz de conta que é turista

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais a esquece não pode reconhecer



SONHO DE UM CARNAVAL (1965)

Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano

Carnaval, desengano
Essa morena me deixou sonhando
Mão na mão, pé no chão
E hoje nem lembra não
Quarta-feira sempre desce o pano

Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade

No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A literatura e o cinema

A Música Segundo Tom Jobim.
Já foi? Não? Então vá.
Lá tem Garota de Ipanema aos montes, tem Samba do Avião, tem Chega de Saudade, tem Sylvinha Teles, tem Diana Krall, Jean Sablon, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr e mucho más.
Pena que os de memória curta, ou às vezes quase inexistente, precisem esperar até o final para, nos créditos, juntar "o nome à pessoa".
Para mim o ponto alto foi um Tom bronzeado, cheio de charme, lindo, frente à frente com um Frank Sinatra, duro e espetado sentado na cadeira, fumando horrores - tá, tudo bem, tem os incríveis "blue eyes" -cantando Garota de Ipanema.
 Deu Tom na cabeça.
Tom viu a Garota passar, ao Sinatra - contaram.
Vocês duvidam? Vejam de novo.

http://www.youtube.com/watch?v=kLdEjlnSkGM

Dois defeitos: muito curto, ficaria ali uma 3 horas; e vi em São Paulo, o que não rendeu palmas no final.
E a literatura? Tudo ali daria um livro, e dos melhores.

Carnaval do Rio

Para o querido Clubinho, às vésperas de colocar o bloco na rua, algumas sugestões de fantasias e animação.
Evoé, Momo!  


Terezinha Azzi

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ESTE ANO NÃO VAI SER IGUAL AQUELE QUE PASSOU...

Para o nosso encontro pré carnavalesco:
Se vocês forem no endereço poderão baixar os contos e escolherem algum, ou todos, para , um dos quais o site sugere. Acescentei abaixo dois contos do Rubem BragaEle se refere a um conto do Rubem Braga, que diz não ter on line, eu achei na internet e copiei abaixo.
Os contos sugeridos são:
1. João do Rio: O bebê de tarlatana rosa, incluído em “Os cem melhores contos brasileiros do século” (Objetiva).
2. Clarice Lispector: Restos do carnaval, de “Felicidade clandestina” (Rocco).
3. Aníbal Machado: A morte da porta-estandarte, do livro de mesmo nome (José Olympio).
4. Lygia Fagundes Telles: Antes do baile verde, do livro de mesmo nome (Companhia das Letras).
5. Rubem Fonseca: trecho de Fevereiro ou março, de “Os prisioneiros” (Agir).
6. Sérgio Rodrigues: A máscara, ainda inédito em livro.


"O MORRO NÃO É DOS MALANDROS” -  Rubem Braga (1936)
Em qualquer morro do Rio já se ouve, hoje, um ronco, um barulho de tambor
surdo, uma voz cantando uma coisa esquisita. Há qualquer coisa lá por cima e
não é sem tempo. Eles estão se preparando, estão começando a se preparar. Os
exércitos do samba fazem os primeiros exercícios antes de marchar sobre a
cidade. Lá vem samba.
É preciso gostar do samba e para gostar do samba é preciso conhecer o samba.
Porque a verdade é que muita gente não gosta das mesmas condições. Está visto
que há samba e há samba. Do partido alto e do partido baixo. E de muitas
variedades. É provar. Não é decente falar em samba sem falar em Noel Rosa.
Ele faz sambinha repinicado, desses que se podem cantar com o auxílio de uma
caixa de fósforos. Mas faz também o outro samba, o samba alto, o samba para a
multidão mestiça chorar, o grande samba.
Para gostar desse grande samba não é preciso achar que ópera é música para boi
dormir, como definiu um meu amigo. Um sujeito que gosta de ópera e não gosta
de um samba de Cartola, da Estação Primeira do Morro de Mangueira, é um
sujeito que não gosta propriamente de ópera, gosta apenas do Teatro
Municipal. Não convém esperar que um samba de Cartola chegue a ser conhecido
por uma cantora qualquer que o vá ganir pelo microfone de qualquer PR. O
melhor é tomar um ônibus Méier, descer ali na rua São Francisco Xavier,
atravessar o viaduto e subir o morro. Aí, sim. Um samba é um samba, é
qualquer coisa de muito.
Não é só na Mangueira. Em qualquer morro e mesmo em qualquer canto pobre da
cidade. Houve um tempo em que só se falava em Favela. Hoje o samba se
espalhou. Há um por aí que canta as glórias do morro de São Carlos: "No morro
de São Carlos / Tive um trono / As negras me velavam o sono / Numa corte
imperial."
E o cantor compara a mulata que fugiu a Maria Antonieta, "fazendo muita
falseta," e ele mesmo a um rei Capeto abandonado que acaba infeliz,
guilhotinado pela saudade da referida senhora.
Mas se eu citei Cartola é porque nele se encontra um sentimento tão profundo e
primitivo que a letra de repente nem quer dizer nada e acaba dizendo coisa
como diabo. Ele é talvez melhor que o famoso Paulo da Portela e o samba
parece mais puro. Reparem só nessa letra: "Semente de amor eu sei que sou /
Desde a nascença / Mas sem ter vida e fulgor / É minha sentença."
Isso na voz de negro, entre o coro das mulatas, é qualquer coisa de fundo, de
triste, de uma desgraça preta mesma, preta como o soluço de uma cuíca.
Mas parece que estou estragando o samba, transcrevendo assim um pedacinho sem
música, sem a voz, sem os surdos, as cuícas, os tamborins, as mulatas, o
morro...
Só indo lá mesmo. E é preciso acabar de uma vez essa história de que morro é
terra de malandro. Eu, que já fui várias vezes a vários morros e já morei
vários meses em Copacabana, sou capaz de jurar que nos apartamentos da areia
há mais malandros que nas casinhas de lata velha lá de cima. A grande maioria
da população do morro é de trabalhadores, sujeitos que pegam no duro todo
dia, que vivem suando. A malandragem existe mais no samba que na realidade.
O batente é o mais comum. Malandros não teriam, por exemplo, capacidade para
organizar uma escola de samba. Para isso é preciso ter o espírito, a
disciplina, a força de vontade de um trabalhador. E os morros estão cheios de
escolas onde pode haver cachaça, mas há muita alegria, bastante respeito e,
às vezes, uma disciplina quase militar. Já esse nome de escola implica uma
idéia de hierarquia, de cooperação, de ordem, de método de que um verdadeiro
malandro não é absolutamente capaz.
Quando falo que nas escolas de samba há muita alegria, não quero que se
confunda alegria com bagunça. Ali não há cerimônia, mas também não há gandaia
solta. E de resto ninguém pode esquecer a função quase religiosa que o samba
tem no morro. Uma religião sem Deus, mas com sacerdotes, noviças, rito,
tristeza, esperança. Mesmo porque não é preciso ser campeão de folclore para
sentir como o samba recebeu e ajeitou a fluência de certas orações de
macumba.
O cavalheiro que se dispõe a ir a um morro, mesmo com a sua senhora, irmã,
noiva, namorada, tia ou bisavó, não necessita levar uma boa metralhadora nem
mesmo uma pistola de gás lacrimogêneo. A sua bolsa e a sua mulher não correm
tanto perigo. A sua mulher, pelo menos, na sua descida do morro lhe dirá que
foi tratada infinitamente com mais respeito do que quando passava pela
Avenida, sábado de tarde.
Um amigo meu foi há tempos a um morro. Havia bebido demais e no fim da festa
estava naquele estado em que tudo gira e se confunde em torno de nós, e, mais
ainda, dentro de nós. Em pleno caos alcoólico, meu amigo deixou de saber o
que estava fazendo. Acordou no dia seguinte numa cama ao lado de um mulato de
uma mulata que o haviam rebocado até ali por caridade e ainda lhe deram café
e dinheiro para o ônibus que o conduziria aos seu luxuoso apartamento de
Ipanema.
Vamos, portanto, para o morro ouvir as primeiras cuícas do carnaval do ano
que vem. Não precisamos levar armas. Levemos ouvido e coração, para ouvir e
para sentir. Não aprenderemos música. Mas sentiremos coisas que são tristes e
belas e que é bom sentir. Aprenderemos sentimento.
BATALHA NO LARGO DO MACHADO – Rubem Braga – fevereiro 1935
Como vos apertais, operários em construção civil, empregados em padarias, engraxates, jornaleiros, lavadeiras, cozinheiras, mulatas, pretas, caboclas, massa torpe e enorme, como vos apertais! E como a vossa marcação é dura e triste! E sobre essa marcação dura a voz do samba se alastra rasgada:
 “Implorar Só a Deus.
Mesmo assim às vezes não sou atendido.”
Eu amei... “
É um profundo samba orfeônico para as amplas massas. As amplas massas imploram. As implorações não serão atendidas. As amplas massas amaram. As amplas massas hoje estão arrependidas. Mas amanhã outra vez as amplas massas amarão... As amplas massas agora batucam... Tudo avança batucando. O batuque é uniforme. Porém dentro dele há variações bruscas, sapateios duros, reviramentos tortos de corpos no apertado. Tudo contribui para a riqueza interior e intensa do batuque. Uma jovem mulata gorducha pintou-se bigodes com rolha queimada. Como as vozes se abrem espremidas e desiguais, rachadas, ritmadas, e rebentam, machos e fêmeas, muito para cima dos fios elétricos, perante os bondes paralisados, chorando, altas, desesperadas! Como essas estragadas vozes mulatas estalam e se arrastam no ar, se partem dentro das gargantas vermelhas. Os tambores surdos fazem o mundo tremerem uma cadência negra, absoluta. E no fundo a cuíca geme e ronca, nos puxões da mão negra. As negras estão absolutas com seus corpos no batuque. Vede que vasto crioulo que tem um paletó que já foi dólmã de soldado do Exército Nacional, tem gorro vermelho, calça de casemira arregaçada para cima do joelho, botinas sem melas, e um guarda-chuva preto rasgado, a boca berrando, o suor suando. Como são desgraçados e puros, e aquela negra de papelotes azuis canta como se fosse morrer. Os ranchos se chocam, berrando, se rebentam, se misturam, se formam em torno do surdo de barril, à base de cuícas, tamborins e pandeiros que batem e tremem eternamente. Mas cada rancho é um íntegro, apenas os cordões se dissolvem e se reformam sem cessar, e os blocos se bloqueiam. Meninas mulatas, e mulatinhas impúberes e púberes, e moças mulatas e mulatas maduras, e maduronas, e estragadas mulatas gordas. Morram as raças puras, morríssimam elas! Vede tais olhos ingênuos, tais bocas de largos beiços puros, tais corpos de bronze que é brasa, e testas, e braços, e pernas escuras, que mil escalas de mulatas! Vozes de mulatas, cantai, condenadas, implorai, implorai, só a Deus, nem a Deus, à noite escura arrependidas. Pudesse um grande sol se abrir no céu da noite, mas sem deturpar nem iluminar a noite, apenas se iluminando, e ardendo, como uma grande estrela do tamanho de três luas pegando fogo, cuspindo fogo, no meio da noite! Pudesse esse astro terrível chispar, mulatas, sobre vossas cabeças que batucam no batuque. O apito comanda, e no meio do cordão vai um senhor magro, pobre, louro, que leva no colo uma criança que berra, e ele canta também com uma voz que ninguém pode ouvir. As caboclas de cabelos pesados na testa suada, com os corpos de seios grandes e duros, caboclos, marcando o batuque. Os negros e mulatos inumeráveis, de macacão, de camisetas de seda de mulher, de capa de gabardine apenas, chapéus de palha, cartolas, caras com vermelhão. Batucam! Vai se formar uma briga feia, mas o cordão berrando o samba corta a briga, o homem fantasia do de cavalo dá um coice no soldado e o cordão empurra e ensurdece os briguentos, e tudo roda dentro do samba. Olha a clarineta quebrada, o cavaquinho oprimido, o violão que ficou surdo e mudo, e que acabou rebentando as cordas sem se fazer ouvir pelo povo e se mudando em caixa, o pau batendo no pau, o chocalho de lata, o tambor marcando, o apito comandando, os estandartes dançando, o bodum pesando. Mas que coisa alegre de repente nesses sons pesados e negros, uma sanfoninha cujos sons tremem vivos, nas mãos de um moleque que possui um olho furado. Juro que iam dois aleijados de pernas de pau no meio do bloco, batendo no asfalto as pernas de pau. Com que forças e suores e palavrões de barqueiros do Volga esses homens imundos esticam a corda defendendo o território sagrado e móvel do povo glorioso da escola de samba na Praia Funda! No espaço conquistado as mulatas vestidas de papel verde e amarelo, barretes brancos berram prazenteiras e graves, segurando arcos triunfais individuais de flores vermelhas. Que massa de meninos no rabo do cortejo, meninos de oito anos, nove, dez, que jamais perdem a cadência, concebidos e gerados e crescidos no batuque, que batucarão até morrer! De repente o lugar em que estais enche demais, o suor negro e o soluço preto inundam o mundo, as caras passam na vossa cara, os braços das que batucam espremem vossos braços, as gargantas que cantam exigem de vossa garganta o canto da igualdade, liberdade, fraternidade. De repente em redor o asfalto se esvazia e os sambas se afastam em torno, e vedes o tão molhado, e ficais tristes, tendes vontade de chorar de desespero. Mas outra vez, não para nunca, a massa envolve tudo. Pequenos cordões que cantam marchinhas esgoeladas correm empurrando, varando t massa densa e ardente, e no coreto os clarins da banda militar estalam. Febrônio fugiu do Manicômio no chuvoso dia de sexta-feira, 8 de fevereiro de 1935... Foi preso no dia 9 à tarde. Neste dia de domingo, 10 de fevereiro pela manhã, o Diário de Notícia, publica na primeira página da segunda seção “A sensacional fuga de Febrônio, do Manicômio Judiciário, onde se achava recolhido, desde 1927,constitui um verdadeiro pavor para a população carioca. A sua prisão, ocorrida na tarde de ontem, veio trazer a tranqüilidade ao espírito de todos, inclusive ao das autoridades que o procuravam. Que repórter alarmado! Injuriou, meus senhores, o povo e as autoridades. Encostai-vos nas paredes, população! Mas eis que na noite do dia chuvoso de domingo, 10 de fevereiro, ouvimos
“Bicho Papão
Bicho Papão
Cuidado com o Febrônio
Que fugiu da Detenção..."
Isso ouvimos no Largo do Machado, e eis que o nosso amigo Miguel, que preferiu ir batucar em Dona Zulmira, lá também ouviu, naquele canto glorioso de Andaraí, a mesma coisa. Como se esparrama pelas massas da cidade esparramada essa improvisação deum dia? As patas inumeráveis batem no asfalto com desespero. O asfalto porventura não é vosso eito, escravos urbanos e suburbanos? A cuíca ronca, ronca, estomacal, horrível, é um ronco que é um soluço, e eu também soluço e canto, e vos também fortemente cantais bem desentoados com, este mundo. A cuíca ronca no fundo da massa escura, dos agarramentos suados, do batuque pesadão, do bodum. O asfalto está molhado nesta noite do chuvoso domingo. Ameaça chuva, um trovão troveja. , cuíca de São Pedro também está roncando. O céu também sente fome, também ronca e soluça e sua de amargura. Nesta mormacenta segunda-feira, 11 de fevereiro, um Jornal diz que “a batalha de confete do Largo do Machado esteve brilhantíssima". Repórter cretiníssimo, sabei que não houve lá nenhum só miserável confete. O povo não gastou nada, exceto gargantas, e dores e almas, que não custam dinheiro. Eis que ali houve, e eu vi, uma batalha de roncos e soluços, e ali se prepararam batalhões para o Carnaval - nunca jamais “a grande festa do Rei Momo" - porém a grande insurreição armada de soluços.