De como latinizar um grupo de
doidos. Parte I
De vez em quando uma onda se ergue no mundo da internet. Não
abala o tráfego de informações, não tranca os computadores, mas deixa ocupados
e felizes uma dúzia de pessoas.
Esta onda, que atende pelo endereço “Clube de Leitura Ex-
Libris”, é conhecida por muito poucos, mas é um dos programas mais legais da
cidade. Alguns mais falantes, outros mais calados.
A marola pode começar com um e-mail simples assim:
“Feliz Aniversário, SHUKRAM”
A resposta com os agradecimentos de praxe encerrava com uma
observação: “acredito que esta palavra seja uma daquelas que dizem tudo com
poucas letras”.
Pronto, a onda toma corpo!
A ela seguiram-se outras: SALAMALECO, SAHTEIN, SHUKRAM.
Ao que outros responderam: Hare Krisnha, Hare, Hare! e um brasileiríssimo SARAVÁ!
O vento aumenta sobre as águas e certa professora manda: AD VITAM AETERNAM!!!!!
Prontamente rebatida com ROMA LOCUTA CAUSA FINITA.
E a professora responde: MAGISTER DIXIT.
Uma terceira voz entra na conversa, a da escritora: A BONIS BONA DISCE.
A professora estava inspirada e lavrou: MAGISTER DIXIT
E a escritora: CEPISTI
VOLUCRS, ALIUS SED TETENDIT.
Aparece a voz masculina: SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS e a conversa imediatamente toma o
rumo dos Palíndromos com CEPISTI
VOLUCRES, ALIUS SED RETE TETENDIT.
O Palíndromo, quase um tsunami, provoca logo o e-mail, da
psicóloga/escritora/professora:
“Um palíndromo é uma frase que pode ser lida tanto da
esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda. O interessante deste
palíndromo é que, além disso, as primeiras letras de cada palavra formam a
primeira palavra, as segundas letras de cada palavra formam a segunda palavra,
e assim vai.
Desta forma, organizado em um quadrado, é também possível
ler a mesma frase verticalmente. Este palíndromo é mundialmente conhecido como
o Quadrado de Sator:
O registro mais antigo deste palíndromo foi encontrado nas
ruínas de Herculano, cidade soterrada sobre as cinzas do Monte Vesúvio no ano
79.
Como bem notado pelo Caio, o Quadrado de Sator também é
associado ao cristianismo, à numerologia e à magia, mas pelo bem da sanidade
pública, prefiro ressaltar o palíndromo apenas pela sua curiosidade linguística.
Isso me lembra também uma lição que envolve o soneto 129 de Shakespeare, que foi apresentado
e explicado esses dias em uma das aulas da Oficina de Textos Literários que
estou cursando:
The expense of spirit
in a waste of shame
Is lust in action: and
till action, lust
Is perjured,
murderous, bloody, full of blame,
Savage, extreme, rude,
cruel, not to trust;
Enjoyed no sooner but
despised straight;
Past reason hunted;
and no sooner had,
Past reason hated, as
a swallowed bait,
On purpose laid to
make the taker mad.
Mad in pursuit and in
possession so;
Had, having, and in
quest to have extreme;
A bliss in proof, and
proved, a very woe;
Before, a joy
proposed; behind a dream.
All this the world
well knows; yet none knows well
To shun the heaven
that leads men to this hell.
Roman Jakobson notou que no primeiro verso do soneto, as
palavras shame, expense e spirit
formam a pronúncia do nome Shakespeare. O pensador russo também percebeu que se
trocarmos well por Will (diminutivo
de Willian) nos últimos dois versos conseguimos uma nova leitura do soneto.
Moral da história:
palíndromos e anagramas são coisas para doidões! (sic)
E eis que surge, em grande estilo, claro, Camões a queixar-se do
mundo
LABIRINTO
Corre sem vela e sem
leme
o tempo desordenado,
dum grande vento
levado;
o que perigo não teme
é de pouco
exprimentado.
As rédeas trazem na
mão
os que rédeas não
tiveram:
vendo quando mal
fizeram
a cobiça e ambição
disfarçados se
acolheram.
A nau que se vai
perder
destrue mil
esperanças;
vejo o mau que vem a
ter;
vejo perigos correr
quem não cuida que há
mudanças.
Os que nunca sem sela
andaram
na sela postos se vêm:
de fazer mal não deixaram;
de demónio hábito têm
os que o justo
profanaram.
Que poderá vir a ser
o mal nunca refreado?
Anda, por certo,
enganado
aquele que quer valer,
levando o caminho
errado.
É para os bons
confusão
ver que os maus
prevaleceram;
posto que se detiveram
com esta simulação,
sempre castigos
tiveram.
Não porque governe o
leme
em mar envolto e
turbado,
quem tem seu rumo
mudado,
se perece, grita e
geme
em tempo desordenado.
Terem justo galardão
e dor dos que
mereceram,
sempre castigos
tiveram
sem nenhüa redenção,
posto que se
detiveram.
Na tormenta, se vier,
desespere na bonança
quem manhas não sabe
ter.
Sem que lhe valha
gemer
verá falsar a balança.
Os que nunca
trabalharam,
tendo o que lhes não
convém,
se ao inocente
enganaram
perderão o eterno bem
se do mal não se
apartaram.
A este ponto da conversa, a que se diz chefe (?) do bando e está
num “dolce far niente” pelo velho mundo, que de tão velho ainda capengueia na
internet, pede encarecidamente que se faça um breve apanhado das conversas com
as devidas traduções. Imediatamente a Monitora designada como correspondente
paulista, toma do teclado e manda:
AD VITAM AETERNAM-Para sempre
ROMA LOCUTA CAUSA FINITA- Roma falou, a causa está
terminada.
A BONIS BONA DISCE – Junta-te aos bons e serás um deles.
MAGISTER DIXIT - O mestre o disse.
CEPISTI VOLUCRES, ALIUS SED RETE TETENDIT – Um levanta a
caça e outro a mata.
ALEA JACTA EST - A sorte (os dados) está lançada.
DOCTUS CUM LIBRO – Sábios com livro.
CARPE DIEM – Aproveite o momento, colha o dia.
FIAT LUX – Faça-se a luz
DURA LEX SED LEX – A lei é dura, mas é a lei.
Frente a tudo isto até os mais silenciosos ganham voz,
elogiam a rota da conversa, a erudição dos que até agora se apresentaram com o
latim polidíssimo e lembrando a forma descompromissada como tudo começou lá
pelos idos de 2009, tecem loas ao clubinho.
A amizade e a sinceridade são imensas neste grupo e a professora declara, não envergonhada, que as citações foram copiadas (sic) de um dicionário de latim,artimanha desenvolvida e aperfeiçoada os adolescentes seus alunos, vejam só! E
manda mais uma: DOCTUS CUM LIBRO.
A monitora, tocada pela confissão da professora, admite que
puxava o saco do professor de latim, mas que conversava demais nas aulas.
Arrependeu-se tarde! Mas guardou o dicionário e procura lá: DOCTUS CUM GOOGLE.
Outra diplomada em letras desabafa:
“Não conversei durantes as aulas de Latim 1 e 2 na PUC-RJ
com o inesquecível Junito Brandão e, até onde me recordo, tirava notas altas
nas traduções dos textos que ele trazia para as provas... O revoltante é que parece
que isso foi em minha outra vida... Tudo é uma névoa difusa... e não me lembro
de mais de nada!
Para a nossa sorte (e alguma desventura, já que o estímulo
ao esquecimento se tornou ainda maior), a Wikipédia e o Google vieram preencher
esses enormes espaços..."
A amiga que mandou a primeira expressão diz que precisa
urgente do dicionário de cabeça só lhe vem: ALEA JACT EST! e FIAT LUX!
E o desnorteio continua, com parabéns atrasados pelos
aniversários passados e não lembrados e como um Quadrado de Sator, se materializa
uma tabela de aniversários. A tabela, carinhosamente preparada não agradou a todos, eta povo exigente, e se pede reformulação. Prontamente atendida com um pequeno adendo no final:
“Como se diz em latim: "a pessoa não pode oferecer a mão que neguinho logo quer o pé"??!
e é prontamente traduzida: Digitum
stulto ne permittas!”
Mas há as agradecidas que assim respondem: Lita, obrigatorium. Trabalhus made well!
Mas há as agradecidas que assim respondem: Lita, obrigatorium. Trabalhus made well!
E as contribuições não param de chegar:
- “lembro o livro escrito pelo Paulo Rónai, Não Perca o seu
Latim, que tem centenas de citações, provérbios e uma pequena gramática no
fim para quem se atrever a recordar o que aprendeu no ginásio”... correndo o
risco de um fim incerto, segundo o Beto. E também do Pedro Nava que, no seu Chão
de Ferro, ao contar das aulas de latim no internato do Pedro II, conta de
uma frase maliciosa que os meninos aprendiam: EAMOS AD MONTEM CUM PORIBUS NOSTRI FODERE PUTAE,que não quer dizer
o que vocês estão pensando não, mas, inocentemente, vamos ao monte com nossos escravos cavar poços. Pois é...
- COGITO ERGO SUM,
NIHIL OBSTAT, AMOR OMNIA VINCIT, POST TENEBRAS LUX,
- a / a / an
/ ae / ae / as
ae / ae /
as / arun / is / is
us / ae / un / i / o / os
““... declinações, nem sei mais como se escreve. Eu sou
antiga, dá época que ensinavam latim na escola (Pedro II - Humaitá). Só tirava
10, adorava, pois decorava até os textos. É claro, que já não me lembro de mais
nenhum - adoraria 'declamar' para vocês..!!!
- Aniversarium Sérgius – 21/12.
- NULLA DIES SINE LINEA.
E a pá de cal: “parodiando o Descartes: COGITO ERGO ABDICO: penso e logo desisto”!
E, nova solicitação de resumo do que foi dito,prontamente atendida:
POST TENEBRAS LUX-
luz depois das trevas
NULLA DIES SINE LINEA
- nenhum dia sem uma linha, nenhum dia sem estudar.
SURSUM CORDA! -
corações ao alto!
AGERE, NON LOQUI
– Atos, não palavras.
DIGITUM STULTO NE
PERMITTAS – Dá-se o pé e ele quer a mão
COGITO ERGO SUM –
Penso, logo existo (Descartes).
AMOR OMNIA VINCIT
– O amor vence tudo, tudo suporta (Virgílio).
NIHIL OBSTAT –
Nada impede
Coincidências existem, é claro, sem elas o clubinho não
teria juntado gente tão bacana e para a encerrar em grande estilo todas as
citações, a chefe (?) que continua passeando se depara com uma máxima e manda:
ORQUID SOLUTES EST BEATIUS CURIS MENS ONUS REPOINT AC PEREGRINE LABORE FESSI VENIMUS LAREM AD NOSTRUM DESITERATOSQUE ACQUIESCIMIUS LECTO,
que numa tradução à la Bangu:
o que é melhor, depois do trabalho feito, com a mente livre de todas as preocupações e cansada do esforço que se fez em nome dos outros, do que retornar à casa e deitar-se na cama que tanto se deseja. sugestão de acréscimo: e no dia seguinte ir ao clubinho.
A chefia cita a fonte: Catulo,poeta romano,e pede que por favor não confundam com Catulo da Paixão Cearense.
Ufa!
ORQUID SOLUTES EST BEATIUS CURIS MENS ONUS REPOINT AC PEREGRINE LABORE FESSI VENIMUS LAREM AD NOSTRUM DESITERATOSQUE ACQUIESCIMIUS LECTO,
que numa tradução à la Bangu:
o que é melhor, depois do trabalho feito, com a mente livre de todas as preocupações e cansada do esforço que se fez em nome dos outros, do que retornar à casa e deitar-se na cama que tanto se deseja. sugestão de acréscimo: e no dia seguinte ir ao clubinho.
A chefia cita a fonte: Catulo,poeta romano,e pede que por favor não confundam com Catulo da Paixão Cearense.
Ufa!
A parte II será dedicada a Santo Antônio, aos amores e a
velhice. Não dá para acompanhar tudo de uma vez só.